terça-feira, 12 de maio de 2009

O mero e o pardelo

À tona de água, o mero está de barriga para cima a dormir uma sesta, testando a paciência do pardela-de-óculos que circula por aquelas bandas. O ressonar sonoro do bicho faz a água tremer à superfície da tona terrestre. Em sentido inverso. Um amigo do pardela-de-óculos havia-lhe falado de uma zona que havia sido abençoada por Deus. [Alberga algas, bactérias e camarões em abundância aquática.] Decide por isso acordar o mero. Pega num espeto de crocodilo e pica ferozmente o dorso central do peixe.

- Ai, ai, ai, ai.... Mas quem és tu para me acordares desta maneira?!
- Só quero pedir uma indicação. Não me leve a mal, mas tenho pressa.
- Pressa?! Mal qual pressa?
- Pressa! Tenho fome.
- Hum... Já estou a perceber tudo...

O pardelo ficou sem palavras e permaneceu quieto para não aborrecer ainda mais o mero. Entretanto o animal aparentemente chateado, engasga-se na saliva e desata às gargalhadas. Ficaram assim umas duas horas. O pardela-de-óculos parado e o mero divertido com a sua própria baba.
Mas o comportamento excessivo do mero começava a irritar o pardelo. Que falta de consideração, pensava. E catrapumba! Impulsiona a barbatana esquerdina para trás e atinge em cheio nos dentes castanhos do mero. Este por sua vez abre a boca e engole de uma assentada o pardelo.

- Agora é que vais ver... Ninguém se mete com o mero, já devias saber isso.
- Por favor, não me engulas. Suplico-te.
- Vá, vá, vá. O que é que me dás em troca?
- Como assim? Não tenho nada para te dar, a não ser...
- Diz, diz, diz...
- Acho que não ias gostar...
- Diz, diz, diz...
- Falaram-me por alto de um sítio... O lago de Deus, conheces?

Os olhos do mero abriram-se. A mãe mera sempre lhe garantiu que aquele lago era um mito dos mares do Norte. Mas agora...

- Sim, já ouvi falar. Sabes onde fica?
- Sei.
- Conta-me!
- Primeiro tens de me libertar. Foi o que combinámos, não foi?

Como ficara estabelecido, o mero soltou o pardela e este segredou-lhe ao ouvido a localização do lago. Nisto, o mero desata-se a rir outra vez. Não conseguia conter a emoção. Ria-se e ria-se desalmadamente.

- Até à vista, Sr. Pardela.
- Faz boa viagem e não te esqueças de parar de vez em quando. O caminho é penoso.

Mas o mero já se tinha afastado a grande velocidade pela água tépida dos mares do Sul para conseguir ouvir o conselho sábio do pardela. Entretanto, o zumbido da raia-viola acelera os batimentos cardíacos do bicho de óculos.

- Quem anda aí? Quem anda aí?
- Sou eu, a raia-viola. Não se assuste.
- Por momentos pensei que o mero tivesse desistido.
- Passei agora mesmo por ele. Parecia estar com muita pressa, nem me dirigiu um olá...
- Pois, vai em busca do lago de Deus.
- Mas esse lago é um mito!
- Pois é.

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