terça-feira, 12 de maio de 2009

Dois louva a deus no alto de uma montanha

No meio da bosque, a mulher, com o seu vestido azul, sente-se encurralada pelo véu transparente de fibra que descortina a invariável tendência existencial. A mesinha do café está torta no centro do plano agreste e a mulher tropeça incessantemente nos ramos podres caídos na cozinha. É hora do leite. Tira para fora a mama esquerda enrrugada e dá de amamentar ao filho mais novo. Insaciável. Os sinos começam a tocar do alto da montanha. Sinal de morte. Repentinamente vê-se forçada a dar passagem a quatro anjos estranhos que vão nus com um lenço preto na cabeça e asas escarlate. Transportam uma criança morta no cimo de um caixão envelhecido. O corpo vai preso por pedaços finos de cortinados acetinados.
(A caminhada fúnebre prosseguiu por mais dois dias.)
Os quatro anjos poisam agora o caixão no cume da montanha. Dois louva-a-deus estão sentados, frente a frente, numa mesa quadrada. Com os cotovelos assentes na toalha de mesa aos quadrados brancos e verdes, falam ininterruptamente num idioma estranho, certamente codificado pela garrafa de vodka que jaz, serena, no canto direito da mesa. Só agora reparam no corpo já em decomposição no cimo do caixão (os anjos desapareceram no nevoeiro) e levantando-se num ápice, os dois erguem simultaneamente as patas dianteiras para o céu e num gesto compulsivo terminam a noite com um santo banquete. Santa comida.

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