terça-feira, 12 de maio de 2009

A menina do quadro azul

O olhar cabisbaixo enxerga os sapatos rasos pretos e as meias brancas, rendadas no cimo. As mãos enfraquecidas seguram as cordas do baloiço do quintal, as nádegas passam a fase dormente e adormecem. A face está escondida por uma grande cabeleira negra, atada atrás do pescoço. Parece estarrecida pela dor de não ser nada além de uma carapaça podre perdida no espaço algures no tempo de alguém. Saber que é pó. Ilusão. Massa bruta de solidão. Universo. O acto de pensar naquele quintal quadrado traz à tona gemidos tristes e estridentes.

Parece admirar a lentidão do cérebro fastidioso e comprimido [medicação] a menina do quadro azul.

Ali o espaço é sempre sombrio. Só a luz vinda da janela transmite uma espécie de Vida qualquer. Ao seu lado, uma árvore, sem folhas nem frutos. Galhos secos atados a troncos mais corpulentos.
Ao olhar para aquela imagem criamos instintivamente movimento e som. Ao olhar para a menina do quadro azul criamos o movimento de vai e vém do baloiço que afasta a mexa de cabelo que lhe tapa o rosto.
Mas isso não passa de imaginação. Aquele ambiente não deixa de ser impenetrável. Aquela menina não passa de uma imagem estática. E aquilo que poderá pensar será sempre um mistério.

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