sexta-feira, 29 de maio de 2009

O espelho

Há muito, muito tempo atrás, existiu uma menina que não resistia a uma boa colheita de cerejas. Na aldeia, era conhecida pela rapariga das favolas roxas dado o tom violáceo dos seus dentes aguçados e proeminentes.
Todos os dias colocava uma máscara para não ser vista. Tinha medo do que os outros meninos poderiam pensar. Mas os seus olhos brilharam quando ouviu falar de um espelho invulgar. Na terra, os aldeões sussurravam baixinho que o mago havia fabricado um espelho fantástico capaz de oferecer a beleza eterna à mulher mais vulgar.
Os pais, que eram de famílias abastadas, não resistiram ao pedido insistente da filha. Durante dias a fio, pressionaram o mago da aldeia a vender-lhes o bem desejado por todos. A princípio, o velho mostrou-se hesitante mas logo caiu nas graças da exorbitante quantia oferecida pelos progenitores da menina.
Desde tenra idade, a rapariga chamada Teresa entregou-se ao prazer da sua imagem reflectida naquele objecto perveso. Ao deitar, acariciava as madeixas do cabelo castanho ao redor da cara, aperfeiçoava a posição dos lábios em todos os ângulos, esticava e repuxava a pele enrrugada até adormecer em frente ao espelho.
Na juventude, os vestidos arrojados, colados à curvatura das ancas, provocavam arrepios às senhoras esposas e o delineador rouje que usava nos lábios assaltava o íntimo masculino, fazendo lembrar o suco de uma maça vermelha a escorregar pelos seus mamilos duros e proeminentes.
Apenas um homem teve o prazer de a possuir. E apesar de ser invejado por todos aqueles que conheciam a mulher, escondeu sempre que o sexo foi deplorável.

Já passava da hora de jantar quando abriu a porta entreaberta da casa da mulher. - "Desço já", gritou lá de cima. Sentou-se no sofá da sala, embalado por um jazz suave que passava no gira-discos antigo. Passado algum tempo, a mulher desceu finalmente as escadas e convidou-o a tomar um martini seco.
O homem tentava a custo disfarçar o seu nervosismo. O suor das mãos impedia que segurasse o copo com firmeza, contava piadas despropositadas e descontextualizadas e, de vez em vez, emitia uns grunhidos estranhos sempre que Teresa fazia algum comentário.
Depois de uma refeição passada em silêncio, a mulher pegou-lhe na mão e dirigiu-o pelas escadas até ao quarto. Estagnados em frente à cama, Teresa estendeu o braço para que o outro o beijasse enquanto acariciava o seio já a descoberto. As carícias envolventes daquele homem começavam a surtir efeito. Tinha o sexo molhado. Atirou-o com força para a cama e pôs-se em cima dele.
Fazia amor consigo não com ele. Os espelhos colocados estrategicamente ordenavam-lhe a entrega total a si mesma. Torneava a pernas com paixão e enrolava expressões de prazer no sexo do parceiro. Mas os gemidos da mulher começavam a parecer assustadores, pronunciava palavras estranhas despojadas de sentido. O sexo começava a parecer ridículo e a excitação deu lugar ao medo.

(continua)

Sem comentários: