quarta-feira, 13 de maio de 2009

barba-de-Velho

A viagem foi longa. Deixou para trás rios, vales e montanhas. Escanzelado, o Cara Pálida parecia fastigado pelo vento e pela chuva que o aterrorizaram durante a caminhada; a dor proveniente de dentro castiga-lhe o ar que sai dos orifícios nauseabundos do subsolo.
Sabia que chegara ao destino. - Quando sentires o aroma a óleo envernizado que te apaziguará a alma saberás que chegaste-, disseram-lhe em miúdo.
Estava perante sete portas brancas. Aproximou-se da quinta a contar da esquerda. Devagar. Nela estavam inscritos quatro papagaios com grandes caudas padronizadas a roçar no chão, presas por cearas de trigo. Berravam em uníssono - Entra, entra, entra...
Não aguentou mais e rodou a maçaneta da porta.

- Au!!! - gritou o Cara Pálida.

Do outro lado da porta um cisne dourado embriagado mordeu-lhe o tornozelo e fugiu a correr deixando um monte de penas a flutuar no ar.

- Entra meu amigo - ouviu-se do fundo da sala - Demoraste a chegar...

Deu dois passos em frente mas recuou ao deparar-se com a figura tenebrosa do Barba-de-Velho. Ficou inerte. Uma pomba branca voava para a frente e para trás. O chão albergava uma manta de plátanos secos, outonais, que estremeceu com a passagem de duas zebras. Começava a sentir-se tonto.

- Não te preocupes. Ninguém te vai magoar. - precaviu o velho de barbas.

Mas o Cara Pálida não ouviu as palavras sábias do mestre. Estava hipnotizado pela mulher deitada na banheira no canto da sala. Vestia um maiô e uma exuberante saia de tule preto.
As pernas grossas e rudes constratavam com a doçura dos seus movimentos. A bailarina dançava com o silêncio que se instalara na sala. Parecia não notar na presença do Cara Pálida. Nem do Barba-de-Velho.
A atenção do Cara Pálida só foi interrompida com o brusco bater da bengala decrépita do velho.

- Pensas que tenho muito tempo, não é?
- Não, não. Sofri bastante para chegar aqui...
- Então o que te traz aqui?
- Quero uma mulher!
- Hum.... E que tipo de mulher gostavas de ter?
- Qualquer uma.
- Só apresentas uma condição?!
- Quero uma mulher com a pele do rosto branca e macia. Que o seu cabelo seja brilhante e perfumado por margaridas ao sol.
- Mais alguma coisa?
- Quero uma mulher tolerante e fiel.
- Muito bem. Volta daqui a dois dias. Terei a tua mulher.

---

Fechou a porta e encenou o som dos passos a esvanecerem-se no espaço. Encostou o olho à fechadura. Nunca ninguém se atrevera a espreitar os feitiços do Barba-de-Velho. Durante dois dias, o velho assente num enorme pénis que lhe circunda as ancas, folheou milhares de livros envelhecidos e sussurou cânticos disformes. Rosnava e gemia. Tudo ao mesmo tempo.
Ao final do segundo dia, os olhos esbugalhados do Cara Pálida estavam vermelhos e chorosos. No momento em que decide esfregar agressivamente a vista ouve-se um grande estrondo. Olhou rapidamente para a fechadura. Uma mulher recém-nascida parece ter despontado dos plátanos outonais mesmo no centro da sala. Nua. Com a pele do rosto branca e macia. Levantou-se, rodou a maçaneta e entrou de imediato. Aproximou-se daquele pedaço de nudez e deixou cair os joelhos no chão.

- Aqui tens o que pediste.
- Mas... como é que... não posso acreditar!
- Deixa-te de conversas. Onde está...
- Está tudo aí como combinado - disse o Cara Pálida entregando-lhe um objecto piramidal com um enorme olho vivo no centro.

Olhou novamente para a perfeição. O corpo da mulher estava coberto por uma substância peganhenta. Pouco a pouco, começava a desentorpecer os músculos e a esticar a pele. Não tinha dentes, nem lábios. Pestanejou pela primeira vez pondo a nu dois olhos de vidro. O Cara Pálida empalideceu ainda mais. A sua face ficou translúcida, pondo a nu o carreiro de vermes que percorre constantemente a sua bochecha. A grossa veia azul que lhe atravessa a testa ficou desnuda.

- Esta mulher é cega?
- Isso preocupa-te?
- Eu não lhe pedi uma mulher cega.
- Eu criei o que me pediste: uma mulher branca, com pele macia, tolerante e verdadeira.
- Mas...
- Não posso perder mais tempo. Até à vista.

O Barba-de-Velho não conseguiu esconder a sua insatisfação com o desejo do Cara Pálida. Julgara o rapaz mais sentato.

- O amor não se pede, nem se define. - sussurou o mestre, caindo num buraco de esperma provocado. Orgasmo.

Ilustração por Gordo

Sem comentários: