sexta-feira, 19 de março de 2010

Reflexões sobre a moral enquanto preconceito - Friedrich Nietzsche

«A minha tarefa de preparar à humanidade um instante da mais elevada auto-reflexão, um grande meio-dia em que ela possa olhar para trás e para muito além de si, em que se subtraia à dominação do acaso e dos sacerdotes, e em que ponha pela primeira vez, como totalidade, a questão do «porquê?» e do «para quê?» - semelhante tarefa segue-se necessariamente do discernimento de que a humanidade não está no seu recto caminho, de que não é regida pela divindade, de que, pelo contrário, sob os seus mais santos conceitos de valor, imperou sedutoramente o instinto da negação, da perversão, o instindo da décadence. A questão da origem dos valores morais é, portanto, para mim uma questão de primeira importância, porque condiciona o futuro da humanidade. A exigência de que se deve acreditar que tudo, no fundo, se encontra nas melhores mãos, que um livro, a Bíblia, proporciona um definitivo apaziguamento sobre o governo divino e a sabedoria no destino da humanidade, é, reconvertida para a realidade, a vontade de não deixar surgir a verdade sobre o seu lastimoso contrário, a saber, que a humanidade esteve até agora nas piores mãos, que ela foi governada por depravados, por sedentos de astuciosa vingança, pelos chamados «santos», esse caluniadores do mundo, que desonram a humanidade. (...) Quando, no interior do organismo, o mais modesto órgão deixa de impor com plena segurança a sua auto-conservação, a sua reserva de energia, o seu «egoísmo», o todo degenera. O filósofo exige a ablação da parte degenerada, nega toda a solidariedade com o elemento degenerado, está bem longe dele ter compaixão. Mas o sacerdote quer justamente a degeneração do todo, da humanidade: por isso, conserva o degenerado - é a este preço que ele a domina... Que sentido têm estas noções enganadoras, os conceitos auxiliares de moral, «alma», «espírito», «vontade livre», «Deus», senão o de arruinarem fisiologicamente a humanidade?...»
Friedrich Nietzsche, in "Ecce Hommo", páginas 70 e 71

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