sábado, 13 de março de 2010

Gavetas

Se fosse fácil escrever os sentimentos que por vezes nos fazem ajoelhar, que nos fazem crer na nossa pequeneza então não estaria há mais de um ano a tentar escrever esta carta. Mas ainda acredito na constelação mais bela e harmoniosa Universo e desta também faço a minha única certeza. Porque nada desaparece, é apenas comutado, substituído. Crescem árvores novas, mas as que morreram continuam vivas se continuarmos a pensar nelas.
Ao fim de tantos anos, o espaço íntimo sublevou-se, individualizou-se, afastando consigo as possíveis errâncias que o destino cruel teima em invocar. Por conseguinte, a separação tornou-se inevitável, à luz de parêntesis obscuros, que nos fazem optar por caminhos diferentes; e nada é durável, tudo muda, tudo é foi, nada acontece, escreveu o escritor; a girafa está em chamas, assustada. «Permitirei o incêndio das chamas refulgentes no meu corpo? Ou estarei queimada antes mesmo do incêndio deflagrar?»
Daí questionar-me sobre o que é, e não é, definitivo. Quem nos comanda? O que nos garante? O futuro? Sigo em frente, meio absorta, atribulada, tropeçando aqui e ali, deixando cair cortinados alheios. Contudo, num instante sombrio, penso e olho para as minhas entranhas, revolto-me contra mim e pontapeio o meu estômago vazio. O passado atordoa-me, enjoa-me pensar que a compreensão ficou algures lá para trás. Nunca me apontou um dedo. Não havia queixas, reclamações, exigências, lamentos. Existia, sim, plena aceitação mútua, tu eras eu e sem resquícios de absorção. Se alguém travava conversa comigo, travava conversa também contigo.
Pergunto-me se de noite choravas. Eu chorei durante meses. Hoje não. Aprendi a aceitar e a compreender, mas o sentimento de angústia, esse carregarei comigo para o resto da vida. No fundo, sou cobarde, débil, irresoluta e vacilante. E pior do que ser cobarde, é sê-lo conscientemente. Talvez a vida nunca tenha feito sentido para ninguém. Por isso escrevo, escrevo muito, escrevo sem pensar no que escrevo, escrevo sem segundas intenções, sem necessidades de rodeios asneados. Não obstante, a essência estará lá, sempre, crescemos, diferenciamo-nos. Creio, talvez erroneamente, que nada mudou, que somos felizes.

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