terça-feira, 2 de março de 2010

O homem sem nome

Hoje olha para trás e instintivamente abana a cabeça, pensando o quão ignorante foi por nunca ter pensado que a vida nasceu do ventre de uma prostituta. A ele, é escusado dar-lhe um nome. Prefiro mantê-lo no anonimato, escondido atrás de uma árvore ou preso num sótão de alguém que ainda não conheci e que talvez nunca virei a conhecer.
Mas dizia eu que para ele a vida é filha da prostituição, do saque, da amotinação. E não foi à toa que ele chegou a esta conclusão, pois ela era bela, instável e chupadora. Trazia resquícios de vinho nos lábios gretados e quando tossia, tentava inconscientemente expulsar o mal que a impedia de cortar a artéria umbilical. Nunca se soube como se conheceram, nem mesmo eu, mãe literária. Apenas que faziam amor em público, como crianças ousadas que anseiam o doce mel, o mais distante, o impossível e que gemiam e gritavam em praça pública palavras ordinárias que sem querer (e sem dever) feriam a audição beata, animal de hábitos.
Com o passar do tempo, ele transformou-se objecto de falatório público, tema rotineiro de conversa e rapidamente tomou as cores do nada, carente de pele e osso, escravo da transparência. Até ao dia em que ela fugiu, carregando consigo os seus sentidos, sonhos de infância, as virtudes e ócios de uma vida. O calor da vergonha abalou a cidade rubra. Hoje já ninguém fala dele, ficou enterrado no âmago de uma geração que preferiu esquecê-lo, passou de ninguém para ser nada.
Já eu, mãe-criadora, prefiro continuar a escrever sobre ele, mesmo não lhe dando um nome.

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