sexta-feira, 2 de outubro de 2009

O sofá perfeito (continuação)

No dia seguinte, o Meia-Cuca acorda com o toque alvoraçado do despertador. Sonhou com o tetravô sentado de pernas cruzadas no quintal a chorar compulsivamente; com a tetravó a correr louca pela casa; com gatos desvairados à caça de formigas gigantes. O Meia-Cuca só não se lembra de que foi ele o responsável pelo pranto do tetravô, pelo pânico da tetravó, pela caça felina às formigas. Adiante.
Até hoje, o Meia-Cuca foi sempre um trabalhador pontual. Desde o início que caiu nas boas graças do patrão. Respeita na íntegra os horários de trabalho, obedece calado e passivamente a ordens disparatadas. Não questiona, executa. Mas logo hoje atrasa-se. Pobre augúrio.
Quando chegou do trabalho, exausto, despiu rapidamente o fato quente e pesado do trabalho, numa tentativa de se livrar do peso do dia. Ouviu longas reprimendas do patrão, foi alvo de chacota entre os colegas de trabalho, atabalhoou-se na entrega de documentos importantes.
Ao abrir a porta da sala, que fechara propositadamente na noite anterior, o olhar do Meia-Cuca embate naquele sofá castanho misterioso, cujas costuras estão gastas e ao qual faltam dois dos quatro pés de apoio. Senta-se, comodamente, e só acorda sete dias depois.

Sem comentários: