quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Era uma vez o reflexo de um espelho que, todos os dias, mirava a sua pele clara, os seus olhos castanhos e os seus lábios carnudos. Ficava horas em frente ao espelho; conversava com ele, dançava para ele e só falava dele, do seu reflexo.
O espelho, embelezado por uma clássica moldura em ferro, estava encostado a uma parede fria, pouco conversadora. Todos os dias, mais do que uma vez, perguntava ao reflexo “E eu? Como sou?” mas, todos os dias, o reflexo não o ouvia ou fingia que não ouvia. Sentia-se só e desprezado.
Um dia, o espelho enervou-se. Embaciou-se de raiva e afugentou o reflexo reflectido em si, bem como a sua pele macia, os seus olhos castanhos e os seus lábios carnudos.
Apesar de viver no lado do não-reflexo, o espelho queria acreditar que era mais do que um objecto sem corpo. Imaginava-se espadaúdo e musculado, com uma aparência própria, só sua.
Até ao dia em que o espelho arranjou a solução para o seu problema. Mesmo sabendo que o frigorífico, além de glutão, era grosseiro com toda a mobília da casa decidiu arriscar. Pediu-lhe delicadamente para andar dois passos para a sua direita. E assim que se aproximou, contrariado, o espelho apareceu reflectido na superfície branca do frigorífico. Não queria acreditar no que vira. Era impossível! Só podia! Estava virado do avesso, com uma peúga na cabeça e cabelos pretos nos pés. Cerrou os olhos, tombou para trás e nunca mais se levantou.

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