Era uma vez duas camas que segredavam silêncios resguardados nas paredes do quarto maior da casa. Quase em sussurro, abriam os trâmites da memória desnudada e descobriam-se sozinhas, perpetuando-se.
O mundo das camas-amantes era aquele quarto, antigamente ocupado por um casal de meia-idade, ele plácido e impávido ela altiva e distante. Ambos se recusavam a afugentar as rugas dos velhos lençóis, a trocar as fronhas amareladas das almofadas ou a fazer uma amável dobra no lençol. Eram inquilinos frios, amantes desinteressados, seres que fraquejavam ao mínimo impulso de violência.
Começaram por discutir sobre insignificâncias mundanas – os dois amantes distantes. Depois resolveram, por mútuo acordo, afastar as camas (que eram duas para fazer uma). Depois separaram-se e puseram a casa, toda mobilada, à venda. Sem escrúpulos pelas camas que se amavam, odiaram-se até que a morte veio e lhes sugou o suco da vida.
As duas camas-amantes sentiram-se usadas e descartáveis, até mesmo corrompidas. Já nada havia a fazer senão devorarem-se ainda mais, com maior intensidade, com força maior, com vigor acrescido, com pleno sentido de consciência do que significa o amor entre duas camas em pólvora.
O sol começa a derreter-se. Digestão lenta e atordoante. O vento desconcertante toca piano do lado de lá da janela e o ranger das vidraças faz os pés das camas gemer; trocam carícias e enroscam-se na colcha rendilhada, pirosa, muito floreada. Entregam-se ao prazer ordinário e sucumbido que mora para além do assédio binário, uma vez cedido.
O mundo das camas-amantes era aquele quarto, antigamente ocupado por um casal de meia-idade, ele plácido e impávido ela altiva e distante. Ambos se recusavam a afugentar as rugas dos velhos lençóis, a trocar as fronhas amareladas das almofadas ou a fazer uma amável dobra no lençol. Eram inquilinos frios, amantes desinteressados, seres que fraquejavam ao mínimo impulso de violência.
Começaram por discutir sobre insignificâncias mundanas – os dois amantes distantes. Depois resolveram, por mútuo acordo, afastar as camas (que eram duas para fazer uma). Depois separaram-se e puseram a casa, toda mobilada, à venda. Sem escrúpulos pelas camas que se amavam, odiaram-se até que a morte veio e lhes sugou o suco da vida.
As duas camas-amantes sentiram-se usadas e descartáveis, até mesmo corrompidas. Já nada havia a fazer senão devorarem-se ainda mais, com maior intensidade, com força maior, com vigor acrescido, com pleno sentido de consciência do que significa o amor entre duas camas em pólvora.
O sol começa a derreter-se. Digestão lenta e atordoante. O vento desconcertante toca piano do lado de lá da janela e o ranger das vidraças faz os pés das camas gemer; trocam carícias e enroscam-se na colcha rendilhada, pirosa, muito floreada. Entregam-se ao prazer ordinário e sucumbido que mora para além do assédio binário, uma vez cedido.
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