segunda-feira, 14 de setembro de 2009

O funeral

Os sinos da igreja já anunciaram a morte e a música fúnebre embala a marcha lenta das pessoas até ao pequeno espaço cavado na terra.
O aspecto sombrio da mãe que procura conforto num cobertor de lã enche todos de pesar. Sente-se o peso da perda, a irremediável frustração do homem face à morte, inevitável. Hoje, o funeral veste-se da decadência dos que o assistem sem armas às costas, nem espadas em punho. Pairam nuvens no céu e o vento nem se mexe: o dia envergonhou-se perante tamanha tragédia.
Num momento de silêncio, ouve-se ao longe o latido de um cão vadio que entra desvairado no cemitério, pulando campas e pisando pretensiosas coroas de flores. O padre, manifestamente irritado com o comportamento do animal, apressa-se a enxotá-lo dali para fora. “Que vergonha”, disse a senhora emproada do chapéu de aba larga. “Alguém que detenha esse arruaceiro” grita o senhor com a bengala ao alto.
Mas o burburinho que nascia agora entre o grupo fúnebre parecia excitar ainda mais aquela pobre criatura de Deus. Imprevisivelmente, o animal pára junto ao pequeno buraco de terra. Ninguém ousa abrir a boca; nem mesmo o padre. Por momentos, a mãe deixou de saber porque razão está vestida de preto, enrolada num cobertor de lã. Com a língua de fora, o cão ofegante curva as patas traseiras e alivia-se. Ali, mesmo em frente à campa, à mãe e ao padre.
Terminado o serviço, o cão sai do cemitério da mesma forma que entrou. “Seu desavergonhado”, gritou o padre. A cerimónia prosseguiu e o bebé foi, por fim, enterrado.

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