segunda-feira, 28 de setembro de 2009

A centopeia que comeu o gato

"Se pensas que me esqueço disto estás muito enganado ó Zezinho!", magicou o gato do Zé Manel depois de um miar mirrado. Virou-lhe costas, afoito, e arregaçou a parte traseira emproada. “C***** do gato, hein...” gritou, por sua vez, o Zé Manel, um senhor atrevido e bem-disposto, depois de encolher os ombros em sinal de desprezo e fechar a porta com brutidão. A casa estava agora entregue ao felino de pêlo malhado, cinzento, mais forte e espesso na cauda. Tinha o chão aos seus pés. Primeiro, espreguiçou-se. Depois bocejou e arqueou a coluna encarquilhada, passadiço locomotivo do tempo. Em contrapartida, sempre teve pernas altas e esguias, como as de um flamingo cor-de-rosa. Em tenra idade, o gato do Zé Manel era acanhado e inseguro. A asma impedia-o de sair vitorioso das caçadas nocturnas no bairro e de inalar com profundidade a brisa fresca e revigorante da manhã. Com a casa vazia, entreteve-se a debulhar uma centopeia, dando-lhe patadas leves e encostando os bigodes às duas antenas, assustando-se e eriçando o pêlo pardo, como faz o leão quando avista um elefante. Mas cansou-se e caiu para o lado como um derrotado de guerra e esticou-se ao comprido na pedra fria. A perna esquerda do animal de pêlo não aguentou o desgaste e caiu por terras de senhora majestade. Esborrachou-se ao comprido e era agora alimento para o quilópode esfomeado.

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