Personagens (Por ordem de entrada em cena)
ELA
ELE
ELE
O HOMEM DOS BOLSOS OCOS
No centro da sala, que descai ligeiramente para a direita, está uma mesa quadrada, simples, castanho-âmbar. Não existem quadros pendurados nas paredes, a televisão está ligada à corrente, mas não tem sinal. O rádio está avariado faz meses. Ou então precisa de pilhas. Que importa isso.
Ouve-se uma conversa em sussurro. Iluminação do palco. Amarela-alaranjada. Ela e ele estão de pé, frente-a-frente, no canto direito do palco, ele de costas para o público. Ela chora, quase compulsivamente, embriagada pela dor, contorcendo-se e movendo-se vagarosamente. Dão as mãos e num acto trôpego e cavalgante de ventos vindos do Sul abraçam-se.
ELA (acabrunhada)
Amas-me?
No centro da sala, que descai ligeiramente para a direita, está uma mesa quadrada, simples, castanho-âmbar. Não existem quadros pendurados nas paredes, a televisão está ligada à corrente, mas não tem sinal. O rádio está avariado faz meses. Ou então precisa de pilhas. Que importa isso.
Ouve-se uma conversa em sussurro. Iluminação do palco. Amarela-alaranjada. Ela e ele estão de pé, frente-a-frente, no canto direito do palco, ele de costas para o público. Ela chora, quase compulsivamente, embriagada pela dor, contorcendo-se e movendo-se vagarosamente. Dão as mãos e num acto trôpego e cavalgante de ventos vindos do Sul abraçam-se.
ELA (acabrunhada)
Amas-me?
ELE
Já te disse que sim. Tens de parar de perguntar isso. Começa a ser irritante.
ELA
Sabes, hoje vi o sol nascer por detrás da cómoda que atravanca a porta de dentro do quintal. Quando éramos mais novos, fazíamos sempre isso. Esgueirávamo-nos da atenção dos vizinhos, cobríamo-nos com o lençol velho da Tia Albertina e acompanhávamos o passo lento do Sol, dentro do olhar um do outro. Lembras-te?
ELE (desinteressado)
Sim, lembro. Ainda há leite no frigorífico?
ELA
Acho que sim. Vou ver.
O telefone de casa começa a tocar. Estridente. Ela sai para comprar leite e ele pega no telefone, mas hesita em puxá-lo ao ouvido. Ao quinto toque, atende.
ELE
Estou sim? Sim, muito obrigado. Sim... é o próprio. Não tem problema nenhum, não, não interrompeu o almoço. Sim, já almocei, não se preocupe. Mas diga, diga,...
O HOMEM DOS BOLSOS OCOS
Espero que não me leve mal mas sabe, há tempos pus-me a pensar como será ser-se peludo, mas assim mesmo muito peludo. Essas pessoas, deixadas à sombra de Deus, coitadas, devem suar imenso. Até de noite. Consegue imaginar tanto desconforto? Bem, adiante.
ELE
Sim, adiante.
O HOMEM DOS BOLSOS OCOS
Por vezes tenho tendência a falar pelos cotovelos... A minha mãezinha dizia que... raios lá estou eu outra vez! Ora, muito bem, vou directo ao assunto: o senhor é peludo?
ELE
Mas que raio?! Tenho alguns pêlos, sim. Mas não são muitos. Alguns, mais na zona púbica.
O HOMEM DOS BOLSOS OCOS
Tenho a solução ideal para si. Um tratamento 100% natural, pode confiar no que digo, que resolve em apenas, repito, em apenas, duas semanas o problema dos pêlos.
ELE
De facto, deve ser uma sensação agradável não ter pêlos entranhados na pele. E quanto custa esse tratamento?
O HOMEM DOS BOLSOS OCOS
Para si, 100 euros certinhos. Que me diz? Aliciado?
ELE
Bastante. Pago por multibanco ainda hoje, pode ser? Já tenho o NIB anotado, sim, não se preocupe. E quando recebo o produto?
O HOMEM DOS BOLSOS OCOS
Amanhã por volta da hora do almoço. Combinado?
ELE
Tudo certo então. Amanhã será...
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