quinta-feira, 2 de julho de 2009

A porta

Vi um homem atordoado pelas luzes. Esperneava. Esbracejava. Inclinava a coluna contra o carro para não sentir dor. Só depois percebi que o homem estava direito, sentado em cima do carro. Sóbrio. Olhei para mim e andava à roda no parque da cidade. Via dedos gigantes atravessar pontes de vidro e galinhas feitas pardais anões.
Não! - pensei eu. Levei o dedo indicador à boca e emiti um runhido estranho, a saber a porco.Só depois percebi que estava sentada na cadeira do meu quarto. Com os pés assentes na secretária da minha imaginação que deixou de ser secretária para passar a ser mesa. E depois sofá, seguido de cama e lençol. E quando dei por mim estava transformada em bebida no centro do quarto, prestes a conhecer a vida nos tijolos que me protejem do mau tempo. Da chuva e do vento. E às vezes dos vizinhos. Gosto deles porque me dão de comer. Todos os dias, a vizinha do sexto andar traz-me as sobras do jantar. Às vezes peixe, outras carne. Nunca marisco, a forreta. Ainda assim, cumprimento-a sempre com um sorriso convincente e um forte aperto de mão. Agradeço a refeição e fecho a porta para não ser incomodada.

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