terça-feira, 7 de julho de 2009

Os dois rapazes

Possivelmente um mês antes, dois rapazes do interior tomaram conhecimento de um concurso de talentos a realizar-se na sua cidade natal. A notícia fê-los abraçar-se com ternura. No dia seguinte, ainda de madrugada, apanharam o primeiro comboio com o destino imposto. Depois de uma viagem que durou dias, numa carruagem que não permitia esticar as pernas dado o número de passageiros, os dois rapazes de mochila às costas esgueiraram-se pela porta de saída e vaguearam horas pela cidade encenando capricórnios descomplicados por natureza.
O estômago apertado incitou-os a entrar numa taberna pequena. Os cornos de javali e as cabeças de veado pendurados nas paredes gastas do estabelecimento provocaram-lhes arrepios secos que pioraram quando avistaram o senhor que estava atrás do balcão. Um vulto de pessoa desnorteante, tapada por um avental sujo e uma touca branca, exagerada para a situação. Depois de alguns segundos em silêncio, o irmão mais velho acabou por pedir dois shots de vodka. O senhor de avental acenou positivamente com a cabeça e enquanto enchia os copos gabava-se do facto de muitos terem sucumbido ao poder daquela bebida caseira. Meio aos tombos, tropeçando em pedras e fintando velhotas carregadas de sacos, os irmãos abandonaram aquela taberna inóspita e começaram a correr para a apanhar o eléctrico que passava ao fundo da avenida.
O mais novo olhou para o relógio. Tinham exactamente uma hora para chegar ao local antes que as audições fechassem. Mas no segundo antes do primeiro colocar o pé no degrau do eléctrico, ouviram-se três tiros do outro lado da rua. Todos estagnaram. O condutor, os passageiros, o chão.

(continua)