quarta-feira, 21 de abril de 2010

A casa muda

Eram cinco naquela casa minúscula, doentiamente claustrofóbica, onde apenas o chão se fazia ouvir rangendo. Um deles estava preso na despensa há mais de cinco anos. Ninguém sabia dela. Mas também ninguém perguntava. “Para quê?”, ruminavam em silêncio, em longos monólogos interiores, que nunca os levavam a lado algum.
Naquele dia, o chefe de família levantou-se mais cedo em relação ao que estava acostumado. Precisava de cortar as unhas antes de sair para o trabalho. “Putas que não páram de crescer” praguejava. Virou-se para o lado e pediu à matriarca para acender a luz porque a lâmpada do candeeiro do seu lado estava fundida há séculos. Notou que estava sozinho e empalideceu. Primeiro de espanto. Depois de medo. Seria um sonho? Veio a dúvida e o patriarca chorou, chorou e chorou...
Não sabia ele que ela estava presa na despensa por opção. Sabia que ninguém se lembraria de procurá-la nas traseiras da casa, ninguém lá ia, muito menos à despensa.
Era uma família estranha que só sabia dar silêncio. Em troca, esse silêncio vinha e embatia reflectido no outro lado do espelho, e mais silêncio ainda. Ocasionalmente, a irmã dela largava um ou outro gemido em cantiga, ora quando lavava a loiça, ora quando se deitava à noite para atear fogo à flor. De resto, nem “ui!”.
Os que lá iam achavam aquela convivência disparatada de pessoas disparatadas profundamente aflitiva. Maldita casa sem voz. Lembro-me que aceitei visitá-los para me esquivar ao trabalho da parte da tarde. Mal toquei à campainha, abriram-me logo a porta sem perguntar sequer quem era. E se eu fosse algum louco varrido? E se em vez de mim estivesse à porta um gorila? Ou o meu patrão?
Mas no final daquela tarde, mesmo sem se terem feito ouvir, só posso acreditar que eles adoraram a tarte caramelizada que comprei na pastelaria em frente à minha casa. Moderna.

Sem comentários: