segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Lassa

Outrora ínsua de braços em pólvora e chapéus em espiral, à mercê dos desígnios do pranto salgado e das mulheres de buços brutos serenados pelos raios de sol de Maio, Lassa parece ter sido exilada da Terra. Não mais se ouviu o seu espreguiçar. Atroz languidez que se despenhou aos ziguezagues por quelhos esconsos que um dia viram passar um homem de capachinho na mão, intrigado com o aparato fogueteiro que queimava o céu constelado. Cecília ainda se recorda da Lassa antiga, aquela das cervejas condimentadas com pimenta das Arábias, dos toques das campainhas que se desfaziam em pó nas mãos das criancinhas, das correrias, do pão, da lezíria e dos juncus marginatos. Não mais pensou em entregar-se de novo àquela cidade estonteante que a viu tornar-se mulher. Quando ela passava pela pracinha do centro não havia olhar masculino que não se revirasse de tesão, muito menos mulher que não comentasse o seu decote cuidadosamente bordado à mão. E numa madrugada em que o vento fazia as flores do prado roçarem umas nas outras, dando a impressão de sussurrarem baixinho, Cecília fez as malas e deixou Lassa. Talvez tenha sido por isso que Lassa deixou de ser a mesma. Talvez a imagem de Cecília, de costas voltadas para a ínsua, num barco de pescadores a trabalhar vagarosamente tenha despertado tamanha tristeza. Lassa é agora a ínsua dos desgostosos, dos que caíram no vazio da alma, dos expatriados, dos marinheiros enxovalhados.

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