quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

circo de zebus

Da mesma maneira que o sangue da noite estancou, a alma em flecha e o circo chegou à cidade. A tenda amarelo amendoim desmaiada pelo sol, qual testa que esbarra contra o chapéu do ilusionista e uns quantos lémures no apêndice vermelho-coral. A arena vestida de camelo e descuidadamente suspensa no ar atiça os dentes do zebu que por terem sido serrados à pressa pelo veio da navalha reproduzem em câmara lenta as mãos da criança cravadas nas pregas vincadas do vestido em forma de leque. Xeque-mate! Os malabaristas estátuas, em pose vigilante, de cócoras vergados, como se esperassem as planícies fátuas aguadas de tesão. É a vez do ruído das rodas da jaula octogonal rutilante, do vapor menta-hortelã, das narinas rectas e peganhentas. Plateia muda, apenas o rumorejo dos zebus que só pensam em andar ao verde. E nisto, tromba erecta derruba bancadas e expressões esfrangalhadas. Chamam por Vénus vezes sem vez e o que vêem são esquinas de boca esbranquiçadas. (o elefante entra em cena); o circo não mais tornou a ser o mesmo, tomou posse da carne da viúva, do aleijado, do cabrito desdentado, encabritando-se em confrontos de braço de ferro, cuja violência se assemelha à natureza do homem. Poder-se-ia perguntar: e o servo inútil?, e aí sim, ouvir-se-ia, com uma voz rouca e encrespada: Quanto ao servo inútil, lançai-o às trevas exteriores. Aí haverá choro e ranger de dentes. Palavra da salvação. Ámen.


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